26.2.11

NISA TEM UM CINEMA.... FECHADO! - Parte 2

Nisa tem uma sala de cinema, o Cine Teatro de Nisa, pertença e (mal) gerido pela Câmara Municipal. Desde meados de Dezembro que não é exibido ali qualquer filme ou, melhor dizendo, as representações passaram para o auditório da Biblioteca Municipal, em pelo menos dois dias do mês. São "filmes" onde há comédia, drama, aventura, cenas pungentes que (não) deviam ser do dia a dia.
Entretanto o Cinema - Dez anos a viver Cultura!, lembram-se? - vai definhando a olhos vistos e não cumpre uma das suas principais funções para que foi criado, primeiro em 1931 (já lá vão quase 80 anos) por um grupo de bairristas nisenses que quiseram dar um decisivo contributo para a causa da cultura na nossa terra.
Depois, quando a própria Câmara Municipal (as vereações posteriores a 2001 não têm nada a ver com isto), após um período de inactividade do Cine Teatro tomou a iniciativa, num processo delicado e moroso, tomar nas suas mãos e recuperar a velhinha sala de cinema de Nisa, transformando-a numa das melhores do Alentejo e do país.
Agora, é o que se (não) vê! A Câmara, encalavrada e que nem dinheiro tem para garantir as condições mínimas (água quente, por exemplo) aos estudantes do concelho, virou as costas ao cine teatro e não dá um pio, uma simples explicação, sobre as suas intenções para aquele espaço cultural.
Aguardemos as cenas do próximo filme!

NISA RECEBE UM FILHO ILUSTRE: QUINTINO AIRES

Psicólogo vem debater "Problemas da juventude na actualidade"
No próximo dia 28 de Fevereiro (segunda feira) o psicólogo Dr. Quintino Aires participa em debates sobre os problemas da juventude na actualidade, promovidos pela Escola EB2,3 de Nisa
.
Na Escola EB2,3 de Nisa decorreu uma acção de formação intitulada “Eu e os Outros”, realizada em colaboração com o Instituto da Toxicodependência (IDT) e dirigidas aos directores de turma. Na sequência desta acção, os alunos da turma do 12º ano trabalharam a “História 4” que remete para os vários problemas / vícios que caracterizam os jovens actualmente. Ocorreram reflexões e debates, desenvolveram-se trabalhos e surgiu a ideia de convidar o Dr. Quintino Aires para participar na abordagem dos temas em foco. É neste âmbito que se concretizam, na próxima segunda feiras dois debates com a participação daquele psicólogo: - o primeiro debate ocorrerá na Biblioteca da Escola EB2,3 de Nisa, com início às 8H30; - o segundo debate ocorrerá às 10H30 no Cine Teatro de Nisa e será aberto à participação de toda a comunidade.
Um ilustre filho de Nisa
Joaquim Maria Quintino Aires nasceu em Nisa, a 6 de Agosto de 1967. Psicólogo Clínico, exerce nas áreas da Psicoterapia e Neuropsicologia. Licenciou-se e obteve o grau de mestre em Psicologia na Universidade de Lisboa, prepara uma tese de doutoramento em Psicolinguística na Universidade Nova de Lisboa e completa a sua formação de psicólogo com estudos de Neurociências, Antropologia e Linguística. Desde 1991 leccionou em várias universidades portuguesas, sendo actualmente docente na Universidade Autónoma de Lisboa. Em 1996 fundou o primeiro instituto para a profissionalização de psicólogos clínicos. Colabora com várias universidades estrangeiras e ensina psicoterapia em Lisboa, São Paulo e Madrid. Desde 1998 colabora regularmente em programas de televisão, nomeadamente Fátima Lopes (SIC), Especial Informação (TVI), Elas em Marte (SICMulher), Você na TV (TVI), 6teen (SICMulher), Prova de Amor (RTP) e Contacto (SIC). Considera as viagens que faz, não apenas como um tempo lúdico, mas também uma oportunidade de aprendizagem sobre o comportamento humano.
(Esta súmula curricular é das Edições ASA e está um pouco desactualizada dado que, em 2007, Quintino Aires obteve o Doutoramento em Psicololinguística na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova)
É desta Universidade que obtivemos os dados seguintes:
(1985 - 1990) Universidade de Lisboa, Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação. Licenciatura em Psicologia (Psicologia Clínica), com classificação final de Bom (14 Valores). (1993 - 1998) Universidade de Lisboa, Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação. Mestrado em Psicologia (Psicologia Cognitiva). Título da dissertação: "Diferenças laterais no tratamento da informação visual”, com orientação do Professor Doutor Carlos de Brito Mendes, e classificação final de Bom com distinção. 2007 – Doutoramento em Psicolinguistica, FCSH/UNL
Quintino-Aires Professor Emérito da Universidade Estatal de Moscovo
O Prof. Doutor Quintino-Aires recebeu o título de Professor Emérito da Universidade Estatal de Moscovo. A cerimónia teve lugar na sala do conselho científico da Faculdade de Psicologia no dia 28 de Abril de 2009. O Ofício e as insignias foram entregues pelo Professor Yuri Zinchenko.
É este nosso conterrâneo (a mãe é natural de Nisa e o pai, já falecido, natural de Gáfete) que nos visita. Bastante conhecido de diversos programas televisivos, o Prof. Dr. Quintino Aires tem um extenso e notável currículo, várias obras publicadas e uma actividade profissional bastante preenchida.

12.2.11

NISA TEM UM CINEMA.... FECHADO!

O Cine Teatro de Nisa completa em Outubro 80 anos de existência. A senhora Câmara, talvez para "recordar" a efeméride, mandou suspender a exibição de filmes desde Dezembro de 2010.
O cartaz que aqui apresentamos é de divulgação de um filme que, na altura (18 de Abril de 1965) registou uma extraordinária afluência de público, no nosso "Cinema" sem que houvesse ainda a Rádio Portalegre e outros meios de difusão a que hoje, sistematicamente, a Câmara Municipal de Nisa recorre, pelos vistos com fracos resultados. Colocamo-lo aqui (o cartaz) em jeito de homenagem à autarquia e a quem a dirige, pela ideia tão brilhante como insólita, que é a de sonegar aos munícipes o direito à cultura. Uma iniciativa que deve ter poupado aos cofres do Município largos milhares de euros... Muitos mais do que aqueles que foram dispendidos com a Valquíria, outra das ideias luminosas desta e da anterior gerência camarária...
Enfim, "gostos" e devaneios que o Zé Povinho vai ter que pagar...

9.2.11

PROJECTO DE NISA EM FASE CRUCIAL ( 1 )

TERMALISMO E DESENVOLVIMENTO LOCAL
« A ÁGUA MINERAL É UM DOM DE DEUS E DA NATUREZA. AO HOMEM CABE USÁ-LA PARA TRATAR OS QUE SOFREM E DESENVOLVER AS TERRAS ONDE O RECURSO BROTA DO SUBSOLO ; NÃO O FAZER É VERDADEIRO CRIME ».
Palavras escritas há trinta anos por Mário Gonçalves Carneiro, um dos maiores vultos da hidrologia médica portuguesa do sec. XX, grande impulsionador do termalismo em Trás-os-Montes e na Galiza.
Propomo-nos, nesta e em próximas edições da revista, abordar aspectos ligados ao termalismo.
Começaremos por tratar aspectos de carácter geral que importa situar para avaliar posteriormente do caminho actual seguido no projecto termal de Nisa.
Focaremos ainda (relembrando, por indispensável para o êxito de cada caso individual) o plano de desenvolvimento de termalismo no Alentejo (ao que parece, adormecido ou mesmo ignorado) e, de maneira especial, o programa termal conjunto do norte-alentejano (que parece estar apenas no papel, ou nem isso...)
1. A actividade ligada às termas, de maneira directa e indirecta,tem significativo efeito de dinamização do território, económica e socialmente.
Os estudos realizados concluem que por cada euro gasto na cura termal há uma multiplicação por quatro do valor movimentado na economia local por parte dos aquistas que vêm de fora.
Todos ficam a ganhar: cafés, restaurantes, pensões, residenciais e outras formas de alojamento, comércios em particular os ligados à alimentação, gasolineiras, táxis, lojas de «souvenirs», a população que recorre ao aluguer de quartos. Os estabelecimentos termais podem localizar-se na próprias vilas ou, como é o caso de Nisa, situar-se no centro de um triângulo, distando alguns (poucos) quilómetros das localidades vizinhas. Tanto num caso como no outro, há forte influência das termas sobre a organização e imagem das terras circundantes, chegando nas «vilas termais» (primeiro tipo de situação acima descrita) a influenciar um urbanismo próprio, nomeadamente ao nível comercial e em espaços adaptados para movimentação pedestre ou ciclística visando a ocupação saudável dos tempos livres dos aquistas.
2. A actividade termal deve estar absolutamente articulada com todos elementos de animação da vida local, ao nível de actividades e uso de equipamentos. Piscinas, bibliotecas, salas de cinema e teatro, pavilhões desportivos, passeios turísticos e de bicicleta, desportos náuticos, festas populares, entre outros, devem constituir factores de envolvimento e satisfação dos curistas.
3. Independentemento da natureza da gestão do estabelecimento termal (pública, privada ou cooperativa) esta função integradora visando oferecer um produto termal e turístico completo cabe aos municípios numa postura de coordenação e dinamização do termalismo.
4. Para ter sucesso o termalismo enquanto actividade económica prestadora de cuidados de saúde especiais tem de tratar a doença e promover a saúde numa lógica preventiva. A cura termal dirige-se aos que sofrem de doença crónica mas também pode (e deve) ser usada na manutenção e reabilitação de doenças profissionais.
5. O que é indispensável para angariar e fidelizar clientes é concretizar a cura termal em termos especializados, com a intervenção tecnicamente competente dos profissionais envolvidos no funcionamento do balneário, com destaque (sem elitismos) para os médicos. Estes têm que ter experiência de medicina termal (todos), mas alguns terão que acumular a condição de especialistas das áreas cientificamente comprovadas que ganham com o uso de cada água medicinal. Por exemplo, no caso de Nisa, neste capítulo, sem a presença da reumatologia, fisiatria, alergologia e otorrinolaringologia, o serviço prestado será sempre algo insuficiente e, mesmo, inibidor da satisfação dos curistas e impeditivo de qualquer trabalho de investigação séria que um termalismo moderno impõe.
José Manuel Basso - médico hidrologista

6.2.11

OPINIÃO: Figuras populares de Nisa,...nos textos de Mário Mendes

(acontecimentos , pessoas e coisas, no traço e sorriso que vem do coração do seu autor)
Já não é a primeira vez que Mário Mendes, um poeta magnífico das palavras e dos sentimentos, nos vem trazer dos arquivos das nossas memórias figuras das nossas infâncias.
Foi assim com o Senhor Carlos dos Pregões, cujos pregões ressoaram de imediato nos nossos espíritos tal e qual o Autor rematou e pintou com rigor inigualável, e a concomitante beleza que lhes era inerente, foi o nosso querido Adolfo, foi a descrição magnífica da Rua Direita e das suas figuras, e agora a figura extraordinária de um santo...o Senhor Alberto carpinteiro, o fazedor das nossas bitôrras.
Sim porque pequenos príncipes como éramos, ...não era qualquer peão mais pequeno que nos servia.
E para o Senhor Alberto os meninos que nós éramos, tratava-vos como príncipes .
E éramos de facto. Que não de título (também não queríamos os títulos).
Os santos não têm religiões, quero dizer não pertencem necessariamente a religiões organizadas.
O Senhor Alberto carpinteiro era um santo...
Nós na nossa dimensão intuíamos que perante tal bondade... só de um santo se podia tratar.
E daí o quasi entrarmos em espaço sagrado quando o visitávamos.
O Senhor Alberto que nos fazia as bitôrras...não era um qualquer peão de uma madeira qualquer, como referimos ...Nós queríamos bitôrras de madeira de azinho, como eram imponentes as nossas bitôrras.....
E aí (lá) íamos nós... meu primo António (Chaves), o António Maria Bicho (meu inigualável e bom e único companheiro da primeira à quarta classe, cuja lealdade recíproca permanece mesmo depois da tua morte... que o Senhor na sua Bondade Infinita se apressou a compreender e aceitar à luz da tua categoria superior de ser humano ,... e dadas as circunstâncias de não estares bem, pelo que devemos estar tranquilos e em paz, ...iria no grupo o teu primo Mário (Bicho), o nosso querido Mário,... e se calhar também iria o Carlos e o José Manuel da Casa Povo...
E o Senhor Alberto recebia-nos os bocados do azinho e explicava-nos que ia depois ao torno para que saísse a obra prima.
“ Oh meus meninos deixem ficar que eu vou ver o que posso fazer...”. Isso vindo de quem vinha bastava-nos.
Com ele tínhamos o maior dos respeitos... e dizem as vizinhas que ele na verdade era um ser extraordinário.
Depois íamos chatear a cabeça dos ferreiros, não saíamos de lá, deixávamos lá as bitôrras para nos fazerem os bicos em aço que víamos eles incorporarem a jeito e a quente, mas com cuidado para não estragarem o trabalho de arte do Senhor Alberto, ou abrir qualquer abertura na madeira junto ao bico.
Se a coisa demorava tínhamos chatice , ... não lhes deixavamos a porta até conseguirmos o resultado.
Depois havia só que comprar guita da melhor, talvez cordão do melhor que a nobre peça merecia.
Porventura adquirido já não sei bem onde mas talvez no Senhor Bernardino ou no Senhor José (o irmão) que nos atendia pessoalmente.
Em conclusão, além de principezinhos éramos uns gestorzinhos com uma certa classe ... , éramos nós que projectávamos estas coisas, negociávamos, pagávamos, só que não fomos aproveitados por esta gente sábia da política, ... salvo alguma excepção.
Mas que culpa temos nós disso ...
É que sem nós isto é o que se vê.
Como dizem os brasileiros: “cansei de ficar no chão. Subi de novo o muro”... da minha infância, com o impulso da recordação do Senhor Alberto, um santo fazedor dos nossos sonhos de infância, de bitôrras torneadas pelas santas mãos de marceneiro, como Jesus, desarquivados pela mão justa e oportuna do autor das “figuras populares de Nisa”, das nossas infâncias, ...com a beleza que caracterizam tais textos.
E, meu caro Mário ... o Senhor Alberto faz parte de nós, continua a fazer parte de nós, porque nós amámos, compreendemos, e guardámos o primeiro dos sentimentos para que tudo tende ... o amor entre as pessoas.
O amor verdadeiro ... que consegue guardar vivo na memória o amor vivo que só um santo pôde e conseguiu transmitir aos meninos que nós éramos e que persiste em nós.
Com amizade, João Castanho

4.2.11

GUERRA COLONIAL: Para que a memória não se apague...


CANÇÃO COM LÁGRIMAS - Adriano Correia de Oliveira
Eu canto para ti um mês de giestas
Um mês de morte e crescimento ó meu amigo
Como um cristal partindo-se plangente
No fundo da memória perturbada.

Eu canto para ti um mês onde começa a mágoa
E um coração poisado sobre a tua ausência
Eu canto um mês com lágrimas e sol o grave mês
Em que os mortos amados batem à porta do poema.

Porque tu me disseste quem me dera em Lisboa
Quem me dera em Maio depois morreste
Com Lisboa tão longe ó meu irmão tão breve
Que nunca mais acenderás no meu o teu cigarro.

Eu canto para ti Lisboa à tua espera
Teu nome escrito com ternura sobre as águas
E o teu retrato em cada rua onde não passas
Trazendo no sorriso a flor do mês de Maio.

Porque tu me disseste quem me dera em Maio
Porque te vi morrer eu canto para ti
Lisboa e o sol Lisboa com lágrimas
Lisboa à tua espera ó meu irmão tão breve
Eu canto para ti Lisboa à tua espera...
Letra: Manuel Alegre; Música: António Portugal

Foi há 50 anos. Reza a história que "Na madrugada de 4 de Fevereiro de 1961, militantes do MPLA assaltaram dois estabelecimentos prisionais e uma esquadra de polícia, em Luanda. A 15 de Março, grupos da UPA lançaram sangrentos ataques contra fazendas, postos administrativos e localidades dos distritos do Zaire e do Uíge.
Os ventos do nacionalismo tinham começado a soprar com violência em Angola e não tardariam a atingir a Guiné e Moçambique...
A guerra tivera o seu início. E seria longa..."
in "Os Anos da Guerra - 1961-1975 - Os Portugueses em África, Crónica, Ficção e História"

2.2.11

FIGURAS POPULARES DE NISA (1)

O Senhor Alberto
Gosto de fazer viagens à minha infância.
Redescobrir mundos e lugares, pessoas e tradições que o tempo corroeu. Gosto de me embrenhar no tempo, de reinventar sensações, de correr célere pelos caminhos da minha meninice.
Como era diferente essa época...
Percorríamos ruas e becos, chãos e tapadas, azinhagas, brincávamos aqui e ali, onde calhava, com um prazer sempre renovado.
Havia também as pessoas que entravam na nossa vida e que ajudavam a transformar esse mundo infantil, povoado de sonhos e fantasia.
O Senhor Alberto era uma dessas figuras.
Era um velho carpinteiro que tinha a sua oficina numa das ruelas da vila, ali a dois passos da “Praça”.
Vivia só e mal, como quase todos os artistas daqueles negros tempos, mas nunca lhe ouvi um queixume, uma frase mais azeda ou a despropósito.
De resto, falava pouco, sempre metido consigo próprio, abrindo excepção quando contactava com as crianças que amiúde o visitavam.
O sorriso espontâneo com que nos recebia denotava uma grande afeição e ternura. Via-se, claramente, que gostava de crianças...
De outro modo não permitiria a “invasão” da sua modesta e acanhada oficina nem a desarrumação em que a deixávamos. Tive sempre a sensação que representávamos para ele, sei lá, um mundo, uma parte importante da sua vida, abruptamente cortada.
A sua fabriqueta, na pequena casa da rua da Cadeia, dispunha de um torno e uma bancada, num espaço bastante reduzido.
Ali se encontravam, no mais completo desalinho – que nós ajudávamos a tornar pior – os mais diversos objectos: partes de cadeiras, de móveis, janelas, madeiras por trabalhar, ferramentas. Um “caos”.
O torno era o seu principal instrumento de labor, onde vagarosa mas habilmente ia dando forma aos mais (para nós) complicados trabalhos de carpintaria fina.
Ali passei, com outros companheiros de escola e de brinca, muitas tardes observando aquele velho e paciente artífice, que nos dirigia – qual avô universal – palavras de afecto e carinho.
Tinha uns olhos encovados, o Senhor Alberto. Neles se vislumbrava, bem no fundo, uma grande melancolia.
O sofrimento não deve ter poupado aquele homem bondoso.
O cabelo, já um tanto descomposto e gasto, descia-lhe pela cabeça em pequenas falripas. Um bigodinho branco da cor do cabelo, ajudavam-lho o sorriso com que corajosamente nos enfrentava.
As suas mãos pequenas, de artista, faziam prodígios nos trabalhos que lhe pedíamos:
- Senhor Alberto, faça-me daqui uma bitôrra (1).
E estendíamos-lhe um pedaço de azinho, a que ele sucessivamente ia dando formas até o transformar num objecto de brincadeira.
Doze, quinze tostões, às vezes apenas um sorriso, bastavam para o seu apreciado trabalho.
E lá íamos, contentes, para a “Praça”, para os “Postigos ou para a Porta de Montalvão, fazer uso público daquele brinquedo.
O Senhor Alberto e a casa onde morava há muito que deixaram de existir. O camartelo destruiu aquele velho edifício e no seu lugar surgiu outro mais moderno e mais feio também.
Mas, quando ali passo, recordo sempre, num misto de alegria e saudade, o Senhor Alberto, artista de bitôrras e piões, construtor de sonhos da minha infância.
(1) – Bitôrra: pião mais redondo e mais aperfeiçoado.
Mário Mendes