20.7.17

NISA: Cantinho do Emigrante - Memória (2006)

“ARGO” NISENSE
Para quem não sabe o que é o “Argo”, fique a saber que é uma língua inventada, utilizada em quase todas as terras de Portugal, com que se denominam palavras e objectos, com nomes “bárbaros”, que não figuram sequer no dicionário de português.
Nalgumas escolas nacionais tem havido interesse no ensino desta importante riqueza cultural, com o é o caso do “mirandês”, que se estuda e pratica em Miranda do Douro, como outros dialectos noutros locais. Em Miranda diz-se “chega-te para lá um cibinho”, enquanto em Nisa, as pessoas mais antigas dizem: “chega-te para lá maneirinhas”.
Estamos no século passado, no início de Outubro de 1910, com a revolução republicana e o derrube da monarquia a ceifar vidas, quando um jovem casal de camponeses resolveram casar. O noivo era rude e corpulento, a noiva era dócil e meiga, não impedindo, por vezes, de haver disputas verbais, com grande alarido, alarmando a vizinhança. A esposa, amorosa como no primeiro dia, esquecia-se, facilmente, da discussão do dia anterior, endereçando-se ao seu “Intónh”: Ó home, não te esqueças de levares a “plice”, porque stá a morinhé e tu podes-te constipé.
O homem, respondia: “Non te rales Frincisca, que eu levo tamém o guarda-chuva”.
À noite, no regresso a casa depois da labuta de um dia de trabalho árduo no campo, o marido encontra a sua esposa à luz da candeia, abanado o lume para fazer o jantar, no preciso momento em que o gato derrubou a “mintolia” do azeite que se encontrava em cima da “tropeça” de cortiça.
- “ Ó mulhê! Tira daí mazé, esta saringonça, não vás tu também aventar o “venégre”.
Ele vinha bastante cansado porque adormeceu logo, com os cotovelos nos joelhos e as mãos na cara, quando a esposa o acordou, dizendo: “ vamos comer que a ceia já está pronta. Achando-o calmo, começou por lhe dar a novidade de que iriam ser pais.
- “Já me charinguéstes com esta notícia. Agora, quem se vai ocupar desta encrenca?
- Ora, não meteras o bico onde não eras chamado, respondeu a mulher.
Sussurrando sozinho, já não quis comer e foi-se deitar.
Momentos depois a sua esposa juntou-se e quebrando o silêncio, disse: “Deixa lá “Intónhe”, que Deus há-de dar-nos saúde “pró crié” e ele há-de ser forte como tu e parecido contigo. Não vês que são provas do nosso amor?
Estas palavras chocaram o coração do jovem esposo tornando-o cada vez mais amoroso de sua mulher.
Algum tempo depois rebentou a 1ª Guerra Mundial de 1914/18, em que ele não escapou a mobilização, sendo incorporado num batalhão para ir defender a França contra os alemães.
Trocaram-se cartas inflamadas de amor entre o jovem casal, aguardando-se o nascimento do tão desejado filho, enquanto nas trincheiras da batalha de Verdun se ouviam os tiros da artilharia pesada, com os gases das bombas matando os bravos soldados.
A Frincisca ficou “esborgada” com chorar quando recebeu a notícia da morte do seu marido na frente de combate.
- “Valha-me Dés! O que será de mim sem o mê Intónhe”, como é que eu posso crié o nosso filho? Ai! Que já não te vejo mais, amor da minha vida, não chegastes a ver o fruto do nosso amor”.
No seu peito palpitante, acendeu-se uma luz como a querer dizer: não chores, que eu estarei sempre contigo, até à eternidade…
“O seu corpo repousa no Mosteiro da Batalha, no túmulo do Soldado Desconhecido”.
António Conicha in "Jornal de Nisa" - 208 - Maio de 2006