8.3.18

OPINIÃO: Canibais à solta

A Portugal Telecom já foi a maior e mais sólida empresa do país. Em 2006, valia em Bolsa 11 mil milhões de euros. Do que foi só restam destroços. A PT SGPS chama-se agora Pharol. Segundo o seu site, a "história da Pharol confunde-se com a história das telecomunicações em Portugal", mas não pode ser. Nunca se ouviu falar desta Pharol e é demasiado triste que a nossa história das telecomunicações se resuma a um valor em Bolsa de 200 milhões e a uma participação na falida empresa brasileira Oi.
Do que foi o antigo grupo resta ainda a PT Portugal, que tem as empresas que mantêm algum valor, como a Meo. O seu dono desde 2015 - a Altice - conseguiu a proeza de pôr a maior empresa de telecomunicações móveis do país a dar prejuízo.
A notícia, originalmente publicada no "Público", tinha um título sugestivo: "Pagamento de juros à Altice arrasta Meo para prejuízos". Ou seja, não é um acaso. A dona da Meo é diretamente responsável pelos maus resultados. A forma como procedeu diz-nos o que precisamos saber sobre esta empresa abutre e as suas intenções no nosso país.
Quando comprou a PT Portugal, a Altice comprometeu-se a entregar cerca de 5600 milhões em dinheiro à Oi. Desses, 195 milhões serviram para comprar as ações da empresa, o restante foi para que a Oi pudesse liquidar as dívidas da PT Portugal.
Vale a pena explicar que a PT Portugal estava muito endividada porque agregou dívidas de outras empresas quando Bava e Grandeiro planearam a fusão entre a PT e a Oi. Veio a saber-se depois que a fusão era uma integração da PT na Oi, para salvar a última das suas próprias dívidas.
Voltemos à Altice. Logo depois de ter entregado o dinheiro à Oi, que o usou para limpar o endividamento da PT Portugal, a Altice registou nas contas da PT Portugal, sua propriedade, uma dívida para com a própria Altice de cerca 5600 milhões. É isso mesmo. A Altice comprou a PT Portugal com dívida da PT Portugal. Por sua vez, a PT Portugal transferiu essa dívida para a Meo. Ou seja, a Meo deve à PT Portugal que deve à Altice.
Segundo o "Público", em 2015 e 2016 a própria Meo emprestou 536 milhões à Altice, que nunca os recebeu de volta, nem os juros, porque a Altice os considerou parte do pagamento do que tinha emprestado à PT Portugal, dona da Meo. E são estas as operações financeiras que estão a causar o prejuízo da Meo.
Se parece complexo é porque é. Complexo, confuso e opaco. Os ingredientes de uma enorme trapacice. A Altice, uma multinacional sentada em cima de 50 mil milhões de dívida, está a canibalizar a maior empresa de telecomunicações portuguesa, e prepara-se para fazer o mesmo com a televisão líder de mercado, a TVI, com a compra do grupo que detém a estação, a Media Capital. É o mercado a funcionar e este é o seu horroroso espetáculo.
Mariana Mortágua in “Jornal de Notícias” – 7/3/2018