10.4.18

OPINIÃO: Não há governos de minoria absoluta

O Governo decidiu alterar unilateralmente as metas do défice negociadas para o Orçamento do Estado para 2018 e condicionar as negociações para 2019, afastando à partida aumentos salariais na Função Pública. É um mau prelúdio para as negociações do último Orçamento da legislatura.
Esta postura baseia-se em dois equívocos. O primeiro é que a recuperação da economia portuguesa não resulta sobretudo das medidas negociadas à Esquerda, mas unicamente de uma credibilidade assente em brilharetes orçamentais. O segundo equívoco é que o Ministro das Finanças pode dispensar a negociação com a maioria parlamentar.
Quando, em dezembro passado, votamos o Orçamento para 2018, fizemo-lo conscientes das suas limitações, definidas nas metas do défice prometidas pelo Governo a Bruxelas. Foram essas metas que nos impediram de ir mais longe no reforço do investimento, dos serviços públicos e da recuperação de rendimentos. Não se compreende, por isso, que agora o Governo reveja em baixa a meta para o défice, meta que já traduzia um difícil compromisso político, votado na Assembleia da República. Se atingimos o objetivo de, com crescimento económico, criar folga orçamental, essa folga tem de ser investida no país e não permite ir além das metas que formaram o quadro orçamental acordado.
Com a mesma incompreensão se lê outro anúncio com que Mário Centeno pretende definir à partida um orçamento que ainda não negociou: o de que não haverá aumentos para os trabalhadores do Estado no próximo ano. A Função Pública tem os salários congelados há uma década e não há regresso à normalidade sem atualização salarial. Não é aceitável que as escolhas sobre as prioridades orçamentais do próximo ano sejam objeto de vetos unilaterais antes de qualquer discussão e com os tiques de uma maioria absoluta que não existe.
O Governo do PS faz mal em pôr em causa a estabilidade da atual solução parlamentar, a maioria que impôs mudanças importantes no contexto de um Governo minoritário. Estamos a um ano e meio das eleições e temos um Orçamento para executar e outro para negociar e votar. As expectativas do país são altas, como bem se viu na importante mobilização no setor das artes, e há muito por fazer. Aconselha-se tranquilidade e modéstia quanto baste.
Mariana Mortágua in "Jornal de Notícias" - 10/4/2018